Oi, tudo bem?
Em 2019 eu iniciei a pós em Produção em Cinema e mercado audiovisual na PUCPRe para a matéria de Arte Moderna – Sistema de consumo, com a professora Amélia Siegel Côrrea, eu escrevi o artigo “A influência de Olympia no cinema e atualmente“.
Caso utilize algum trecho do meu artigo, por favor inserir os créditos*
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A INFLUÊNCIA DE OLYMPIA NO CINEMA E ATUALMENTE
Autora: Suhellen Santos Dolenga1
Professora: Amélia Siegel Côrrea 2
RESUMO
Olympia pode ter sido e ainda é umas das grandes referências no mundo das artes. Mesmo com o passar dos anos, um corpo nu, principalmente de uma mulher, ainda abala opiniões e traz grandes reflexões para onde o rumo da sociedade tem tomado. Na época em que Olympia foi pintada, por mais que tenha sido aceita no Salão pois estava dentro das normas exigidas, a obra trouxe grandes dilemas e opiniões, pois Manet queria representar a mulher além das pinceladas, mas sim, a vida noturna, mundana e talvez a mulher que serviria para satisfazer os desejos dos homens.
Palavras chave: Manet. Olympia. Obra de arte. Grandes pintores. Arte no cinema.
OLYMPIA
Uma das grandes representações que se dá a uma ‘prostituta’ desde de 1865 foi a obra intitulada “Olympia” de Manet do qual inspira até hoje grandes artistas. A obra traz a imagem de uma moça branca, de pouca idade, nua, deitada pousando delicadamente sobre uma cama confortável e que já fora usada, pois está desarrumada, vestindo apenas uma sandália, pulseira, gargantilha, brincos e uma flor adornando o cabelo que está preso e arrumado conforme a época exigia, tudo isto simbolizando a sexualidade e a riqueza. Abaixo dela ainda se encontra o que parece ser sua vestimenta oriental, do qual não se importando muito também passa a impressão que se deitou vestida e retirou a peça já na cama.
Olympia nos passa a impressão que estava pronta, a espera de seu próximo cliente ou mesmo amante, muito comum para a época. Outro detalhe fundamental é a negra, representando a serventia, a empregada. Ao contrário da dama nua, sua serva está toda coberta, mostrando o mínimo possível de pele, como se quisesse informar que a mesma não tem seu valor – o corpo desejado é outro – a mesma segura um buquê de flores, representando a juventude, a beleza que dura pouco e deve ser apreciada, observada, elogiada e também representa a feminilidade ou até mesmo o órgão feminino que ao mesmo tempo a Olympia esconde com a mão.
Não podemos deixar de citar o gato preto que também aparece na obra, o animal que muitas vezes é visto como algo relacionado a azar, neste contexto ele representa a infidelidade, o mistério, hábitos noturnos, mundano, ao contrário do cachorro que normalmente pula, insiste e é fiel ao dono, o gato ignora mas atrai, é esnobe, mas conquista, é desejado sem se esforçar. Da mesma forma que podemos lembrar que gatos pretos eram mal vistos na idade média por estarem ligados ao misticismo, bruxaria do qual a sociedade não aceitava, da mesma maneira que a mulher “da vida” não é aceita até hoje. Nisto podemos citar um trecho do livro de T.J. Clark (2004, p. 158) do qual ele afirma esta imagem de negação: “Além disso, representa o perigo ou o preço da modernidade; diz coisas talvez chocantes sobre o capital, mas glamorosas quando expressas dessa forma e, ao mostrar a sexualidade sucumbindo ao social do jeito errado (ainda que completamente), talvez nos ajude a entender os jeitos corretos”.
Manet também pode ter inserido o gato em sua obra devido a inspiração pela obra de Edgar Allan Poe, conforme cita no livro de T.J. Clark (2004, p.132): “ É raro dispor de indícios por menores que sejam os hábitos de leitura de Manet, e é bom pensar nele lendo Edgar Allan Poe traduzido por Baudelaire”. Poe escreveu um conto chamado “O gato preto” em 1843 do qual a história conta sobre os acontecimentos sobrenaturais que aconteciam serem vindos de total responsabilidade do gato preto.
Da mesma maneira que Manet inspirou, ele também foi inspirado ao criar sua Olympia, através de “Vênus de Urbino” (1518-1520) de Ticiano, “Vênus adormecida”(1507-1510) de Giorgione e não esquecendo de “A Maja Nua” (1795) de Goya.
OLYMPIA DE 1912 NO CINEMA EM 1997
Muitos outros artistas até hoje se baseiam em diversas obras e trabalhos de diversos artistas e séculos, especialmente em Olympia. Podemos citar principalmente o filme Titanic, épico filme de drama e romance de 1997 escrito e dirigido por James Cameron, do qual conta a história do maior navio da época (1912) que em sua viagem inaugural colide em um iceberg e afunda, em meio ao acidente um casal de classes sociais diferente se apaixonam.
Em uma das cenas a protagonista nomeada de Rose, interpretada por Kate Winslet já envolvida com o pintor pobre que conhece no navio, Jack, interpretado por Leonardo DiCaprio, conhece o trabalho do rapaz que é desenhista/pintor do qual sua pasta consta apenas obras de mulheres nuas, francesas na maioria e todas prostitutas que ele conhecia pelas viagens e ruas. A mesma demonstra desconforto ao conhecer o trabalho do artista em público, mas admira seu talento e reconhece seu olhar dedicado sobre este tema sensível, como Clark. T.J (2004, p.157) afirma: “A prostituição é um tema delicado para a sociedade burguesa porque nela a sexualidade e o dinheiro estão misturados. ” no filme tratando de um casal de classes sociais diferentes, a moça deveria presar por sua reputação e noivado que estava para acontecer, não diferente dos dias de hoje que mesmo passando séculos, a prostituição, o dinheiro, a sexualidade traz discussões serias para a sociedade e para as tradicionalidades que algumas famílias seguem.
Kate após conhecer o trabalho de Jack, apresenta sua coleção de quadros de pintores renomados, Monet e Renoir. A obra do Picasso “Les Demoiselles D’Avignon” (1907) é brevemente e mostrada por Kate em uma breve cena também. A obra causou polêmica na época do lançamento do filme, pois segundo historiadores, a pintura não tem permissão para sair do Museu onde está exposta e muito menos a produção de réplicas causando um processo para o Diretor do filme.
Mesmo que várias obras são sutilmente mostradas no filme, na história real o quadro que realmente estava no navio e afundou foi a pintura a óleo de Blondel, “La Circassienne Au Bain” (1814). Também com uma figura feminina, nua, delicada, com símbolos de riqueza e alta classe.
No filme Titanic, a cena que retrata e se inspira em Olympia é quando Rose pede que Jack a desenhe como uma de suas francesas dos seus desenhos, usando somente um colar valioso. A personagem cria um clima que parece estar interpretando naquele instante uma prostituta de época, usando uma peça de roupa semelhante com a da que Olympia está deitada em cima, oriental, a mesma retira-o e deita-se em um sófa, se posicionando como as mulheres dos quadros apresentados até o momento na pesquisa: mulher branca, nua, com joias caras simbolizando a riqueza ao mesmo tempo querendo ser olhada, admirada e desejada através de seu corpo.
“Poderíamos dizer resumidamente que na Olympia, a prostituição se tornou mais extravagante e ameaçadora; e esse parece ter sido o reflexo preciso do estado de tal ramo de atividade no final do século XIX. Relações entre prostituta e cliente envolviam, entre outras, questões de classe – uma curiosa exposição do eu a alguém inferior, a alguém lastimável. Isso sem dúvida apimentava a transação, mas só se fosse incorporado ao teatro da sexualidade, que se tornou cada vez mais incômodo com o decorrer dos anos”. (T.J. Clark (2004, p.207 e 208)
No filme, Rose antes de se despir paga algumas moedas para o artista e então ele começa a produzir o desenho da moça, após isto, ambos têm relação sexual para consumar o desejo de Kate de agir como uma francesa. Kate que era de família rica e estava preste a se casar, agiu por impulso em viver um pouco como uma mulher qualquer não pensando nas consequências, a mesma viu no pintou alguém que a
enxergou além do luxo e bons costumes e isto fez com que os sentimentos tivessem o tempero a mais para viver esta história.
OLYMPIA DA ATUALIDADE
Independente da época ou história, talvez a “Olympia” sempre esteve mais presente do que imaginamos, apenas foi se adaptando com a época.
Com a tecnologia avançada, o “Manet desta geração” são os celulares e câmeras com efeitos, as pessoas possuem um desejo anormal de quererem ser vistas, desejadas, admiradas o tempo todo. Os atuais “nudes” podem ser brevemente comentados como uma forma de representar a Olympia do século XXI, não que todas as pessoas que hajam desta maneira sejam como a figura representativa neste trabalho, apenas a questão do desejo de expor o corpo, a opinião, o empoderamento que muitas vezes tem sido confundido com tais representações e levando a má interpretação sobre o tema. Todos os seres desejam algo e muito tem esse sentimento de querer se sentir desejado, admirado, a diferença é que muitos conseguem e expõe isto de uma maneira mais descarada, já que outros vivem com tabus que percorrem desde o início de tudo. Como afirma Coli (1995, p. 08) “ É possível dizer, que arte, são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é: nossa cultura
possui uma noção de denomina solidamente algumas de suas atividades e privilegia. ”Da mesma maneira que “Olhando para Olímpia hoje, pode parecer inverossímil que essa pintura tenha se revelado tão difícil ou inacessível para o público da época. ” Como explica Briony Fer (1998, p.21).
De qualquer forma o nu ainda é visto como algo não tão aceito por boa parte da sociedade que segue fielmente uma ‘cartilha’ de bons costumes e regras que devem ser respeitadas. Uma obra – nisto considerando, seja ela, uma pintura, uma fotografia ou um vídeo – com um corpo nu de uma mulher ainda pode abalar muito parte da sociedade, para outros pode parecer normal, da mesma forma que sempre existiram revistas para o público que admira uma boa fotografia de nu como existem para os que procuram satisfazer outros desejos, conforme afirma Anne Cauquelin (2005, p. 43 e 44) “O crítico
influenciando o marchand em suas escolhas, publicando em revistas nas quais se aproximam escritores e poetas, alimenta uma ‘vanguarda’ decididamente orientada na direção do moderno.” Indiferente de qual grupo a grande parte se encaixa, seja nos que admiram e discutem sobre a arte seja o que utiliza para outros fins pessoais, a Olympia tem muito a ensinar ainda.
NOTAS:
1 Pós-Graduanda em Produção em Cinema e Mercado Audiovisual – Pontifícia Universidade Católica do
Paraná. Pós-Graduada em Comunicação Digital e E-Branding – Pontifícia Universidade Católica do
Paraná. Fotógrafa especializada pelo Centro Europeu. E-mail: suhellen.fotografia@outlook.com
Artigo para a matéria da eletiva I – Arte Moderna: Sistema de Consumo (03, 04, 10 e 11/05/2019)
2 Pesquisadora, professora e curadora. Doutora em Sociologia da Arte – USP. Pós Doutora em
Antopologia – Universidade de Copenhagen. E-mail: ameliasiegelcorrea@gmail.com
REFERÊNCIA
CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. Tradução de Rejane
Janowitzer, Revisão de tradução de Victoria Murat. São Paulo: Martins, 2005, 169
páginas – (Coleção Todas as artes).
CLARK, T. J. A pintura da vida moderna. Paris na arte de Manet e de seus seguidores. Tradução de José Geraldo Couto, coordenação de Sérgio Miceli. São Paulo, Companhia das Letras, 2004, 469 páginas.
COLI, Jorge. O que é Arte. 15ªed., Editora Brasiliense, São Paulo – SP, 1995. FRASCINA, Francis. BLAKE, Niegel. FER, Briony. GARB, Tamar. HARRISON, Charles. Modernidade e Modernismo. A Pintura francesa no Século XIX. Cosac Naify. 1995, 304 páginas.
IMAGENS, Google. Acesso: 29 de maio de 2019. HISTÓRIAS DAS ARTES. Olympia, Edouard Manet. Disponível em: https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/olympia-edouard-manet/ Acesso
em: 29 de maio de 2019.
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TITANIC 3D – Official Trailer 2012 (HD). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ZQ6klONCq4s Acesso em 29 de maio de 2019.
UFRGS. Arte entre os séculos XIV e XVIII. Disponível em:
https://www.ufrgs.br/napead/projetos/historia-arte/idmod.php?p=ticiano Acesso em: 29
de maio de 2019.
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Capa: Olympia Édouard Manet (1863) https://artsandculture.google.com/asset/olympia/ywFEI4rxgCSO1Q?hl=pt-BR